Bolsonaro enfraquece Fundeb e professores ficarão sem reajuste em 2021
CNTE na Mídia
02 Dezembro 2020 - 13:02h
São Paulo – A Portaria interministerial 3, do governo
Bolsonaro, que altera a gestão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e diminui o valor mínimo nacional a ser investido por aluno
anualmente, também anulou os ganhos salariais dos professores da educação
pública para 2021. A previsão era de que no próximo ano, o piso salarial
do magistério teria uma atualização na ordem de 5,9%. Com a redução no
investimento mínimo, a categoria terá agora reajuste zero.
A medida foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) na última
quinta-feira (26). Conforme reportou a RBA, a portaria altera os parâmetros operacionais
do Fundeb já para o exercício de 2020. O texto reduz de R$ 3.643,16 para R$
3.349,59 – menos 8% – o investimento anual por aluno.
Ao diminuir o valor anual, na prática, o governo Bolsonaro
também atinge a soma de recursos do Fundeb. O mais importante fundo para o
financiamento da educação básica inclui também a remuneração dos profissionais
da educação. Com menos investimentos, a valorização dos professores fica
prejudicada.
Desvalorização do magistério
De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE), essa será “a primeira vez na história do Fundeb que os
docentes da educação básica pública ficarão sem acréscimos em seus vencimentos,
historicamente defasados sobretudo em comparação a outras profissões ou mesmo a
docentes de outros países”, contesta a direção da entidade em nota.
Em setembro, relatório da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) identificou que a remuneração dos professores brasileiros é bem
mais baixa do que a média dos 38 países membros da organização e outros oito
convidados, como o Brasil. Um docente do ensino médio chega a ganhar
por ano o que seria equivalente a U$S 25.966. Enquanto a média praticada pelos
membros da OCDE é de U$S 49.778.
Um dos principais atores no processo de aprendizagem, senão
o principal, o professor no Brasil também tem uma remuneração baixa quando
comparada à própria realidade do país. Dados do movimento Todos pela Educação
apontam que a categoria recebe o equivalente a 71,7% da média de profissionais
com o mesmo nível de formação.
Colapso para 2021
Todos os entes públicos que receberam a complementação da
União neste ano terão que devolver parte dos recursos. Ao transferir a
responsabilidade sobre a complementação, a portaria de Bolsonaro deu o prazo de
30 dias para que os acertos decorrentes das alterações sejam realizados. No
Maranhão, por exemplo, o secretário de Esporte e Lazer (Sedel), Rogério
Rodrigues Lima, mais conhecido como Rogério Cafeteira, calcula que, neste mês,
o estado deixará de receber R$ 13 milhões. “Ano que vem as coisas tendem a piorar”,
ressaltou pelo Twitter.
A CNTE também afirma que o “prejuízo será inevitável” em
2021, e “poderá gerar colapso em várias redes de ensino”.
Desde julho, quando o novo Fundeb foi aprovado pela Câmara
e, posteriormente em agosto, pelo Senado, a expectativa era de aumento nos
repasses. A despeito da oposição do governo Bolsonaro, os parlamentares
conseguiram garantir uma contribuição maior da União. Que, já no próximo ano,
passaria dos atuais 10%, para 12%. Até atingir 23% em 2026. Mas, nem mesmo esse
percentual extra, de dois pontos percentuais, será capaz de suprir as perdas em
decorrência da redução do custo aluno neste ano, em 8%, adverte a CNTE.
Governo enfraquece Fundeb
Na nota, a Confederação acrescenta que “soma-se a esse
cenário trágico a redução das receitas tributárias”. Estados e municípios perderam em arrecadação devido à pandemia do novo
coronavírus. Hoje, parte deles depende da complementação federal para garantir
recursos às escolas.
Para a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito
à Educação, Andressa Pellanda, uma das entidades que se mobilizou pela
aprovação do novo Fundeb, o que a gestão Bolsonaro faz é uma “tentativa de
recuperar as perdas” que sofreu.
“O governo federal tentou, durante a tramitação da PEC do
Fundeb, reduzir o patamar de investimentos da União que vinha sendo proposto. E
perdeu todas as suas empreitadas, diante de uma forte atuação da sociedade
civil vinculada a direitos, como movimentos sociais. E agora, na regulamentação
e nesse tipo de portaria, ele tenta recuperar esse jogo, fazendo esse tipo de
corte, que baliza o financiamento para 2021”, avalia.
“Isso é menor que tudo que representa o avanço do Fundeb, é
claro. Até porque ele fica e os governos passam. Mas é um impacto grande para
2021. Que é um ano que precisa ainda mais de investimentos do que já estava
previsto e que agora sofre mais um corte”, alerta a coordenadora geral.
Pandemia exige investimentos
No próximo ano, o Ministério da Educação também deverá ter
um corte de R$ 1,4 bilhão no orçamento da União. O Projeto de Lei Orçamentária
Anual (Ploa) encaminhado pelo governo ao Congresso destina R$ 144,5 bilhões ao
setor. Quando, de acordo com a Coalizão Direitos Valem Mais, o repasse total
deveria ser de R$ 181,4 bilhões. Andressa explica que é preciso mais recursos para responder à crise que a covid-19 provocou na
educação.
Ao ir na contramão do que é necessário em termos de
financiamento, o governo Bolsonaro coloca em risco “a garantia de que escolas
públicas terão infraestrutura adequada para a volta presencial, ou condições
tecnológicas – computadores, tablets, internet – para inclusão na educação
remota”. “Um momento de pandemia exige mais investimentos”, resume a
coordenadora geral da Campanha Nacional.
A portaria de Bolsonaro, contudo, já é alvo de dois projetos
de decreto legislativo (PDL) – 490/2020 e 489/2020, de autoria de deputados do
PT, que visam sustar os efeitos da medida.
Corrida pela regulamentação
A cerca de quatro semanas do final de 2020, o Congresso
Nacional ainda precisa aprovar um projeto de lei que regulamente o novo Fundeb.
Do contrário, o governo já sinalizou que decretará uma medida provisória para
regulamentar o fundo. Com uma agenda de retrocessos, a iniciativa coloca em
risco avanços como a utilização de 70% dos recursos do Fundeb para o pagamento
de profissionais da educação, o próprio aumento na complementação, ou ainda a
inclusão da lei do piso salarial do magistério e a previsão de progressão de
carreira e de equiparação salarial.
Entidades, como a Campanha Nacional, também são contrários a
previsão de repasse de recursos a entidades privadas, como vem pressionando o
governo Bolsonaro. Elas defendem ainda a inclusão do Custo-Aluno Qualidade (CAQ) e criticam a
possibilidade de bonificação das escolas por mérito e a precarização dos
professores.
(Rede Brasil Atual, 1º/12/2020)