Servidores organizam resistência à reforma administrativa expondo mitos do setor privado
Entidades se organizam para mostrar
que proposta do governo vai prejudicar a população.
Escrito por: Vitor Nuzzi, da RBA •
O lançamento da Jornada Unitária
em Defesa dos Serviços Públicos, na noite desta quinta-feira (3), coincidiu com
a proposta de “reforma” administrativa encaminhada pelo governo ao Congresso.
Desde já, o projeto se torna alvo de mobilização dos servidores e da oposição.
Eles pretendem demonstrar que o governo divulga dados distorcidos sobre o setor
público. E que enfraquecer esse serviço prejudica, basicamente, a população.
Associar o funcionalismo a
privilégios é uma “armadilha” acionada pelo governo e pelos defensores do
mercado, observou o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Júnior. “Não é
uma disputa corporativa, mas pelos direitos sociais no Brasil”, afirmou, no
início do evento, que reuniu parlamentares, sindicalistas e dezenas de
entidades das várias áreas do funcionalismo – federal, estadual e municipal –,
além de organizações como Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Contag
(trabalhadores na agricultura familiar) e União Nacional dos Estudantes (UNE).
Segundo o diretor técnico do
Dieese, a reforma administrativa se soma a outras medidas que vão no sentido de
reduzir o papel do Estado. E fazer com que diretos sociais se tornem
“mercadoria”, acrescentou.
Interesses privados
“O Estado que a duras penas vimos
construindo desde o processo de democratização, e que se consolida na
Constituição, está em jogo. Não é para reformar, mas para deformar a
Constituição. Não é só desmontar os serviços públicos, mas colocar nossos
direitos na mão da iniciativa privada”, disse Fausto.
Na próxima quinta-feira (10),
participantes da jornada farão um seminário com o tema de “desconstrução de
mitos” em torno do serviço público. “O Brasil tem menos servidores (por
habitante) que a média da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico)”, afirmou Fausto. “Tem uma remuneração média de servidor abaixo da
média internacional.”
Muitos dos participantes
argumentaram que o projeto da reforma administrativa ajuda a “esconder”,
inclusive, um tema que deveria ser prioritário: o da reforma tributária.
Tributar grandes fortunas, por exemplo, entre outras medidas, garantiria a
manutenção de uma renda básica de cidadania e poderia melhorar a prestação de
serviços.
Ataque aos vulneráveis
O objetivo da reforma
administrativa é “acabar com a política pública”, disse o presidente da
Federação Nacional dos Servidores Públicos Estaduais e do Distrito Federal
(Fenasepe), Renilson Oliveira. “E deixar os mais carentes reféns de serviços
privatizados”, acrescentou.
Para o auditor federal Bráulio
Cerqueira, secretário-executivo do Unacon Sindical (que reúne auditores e
técnicos de controle), a campanha do governo se baseia em fake news sobre o
serviço público. Uma delas, exemplificou, seria uma “explosão” de gastos de
pessoal entre 2008 e 2019. Mas a afirmação cita dados nominais, lembrou,
enquanto proporcionalmente os gastos da União não se elevaram.
“Desde o golpe (referindo-se ao
impeachment de Dilma Rousseff, em 2016), se estabeleceu uma lógica no Brasil de
desregulamentar meios e regulamentar restrições”, observou o analista politico
Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor licenciado do Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). A nova proposta de emenda faz
parte de estratégia em curso desde a posse de Michel Temer, comentou, citando
as “reformas” trabalhista e da Previdência, além do chamado teto de gastos.
“Lógica fiscalista e
ideológica”
“Essa emenda não visa a melhorar
a qualidade do serviço ou melhorar a gestão pública. Tem o objetivo de
mercantilizar os serviços públicos”, afirmou Toninho, para quem as propostas do
governo têm “lógica fiscalista e ideológica”. Ele também refuta a acusação de
que o serviço público é ineficiente. Eventual má qualidade, diz o analista, vem
da insuficiência da mão de obra.
É o que também argumenta a
secretária regional da Internacional de Serviços Públicos (ISP) Denise Motta
Dau, citando o caso do SUS. “A pandemia mostrou que nós precisamos de mais
Estado. Mais Estado se consolida com investimentos. E nós esetamos vivendo um
subfinanciamento”, afirmou Denise, para quem está em curso “um ataque sem
precedentes na história dos serviços públicos”. E um ataque também aos direitos
sociais, emendou.
Segundo ela, muitos países estão
reestatizando atividades públicas. “Privatizaram e os serviços pioraram.” Para
o secretário-geral da Condsef (confederação dos servidores federais), Sérgio
Ronaldo da Silva, o projeto do governo “é um copia e cola do relatório do Banco
Mundial, do Instituto Millenium”.
Destruição do Estado
Um exemplo foi dado pelo
presidente da Proifes Federação (docentes de universidades e institutos
federais), Nilton Brandão. “O governo tem uma política para destruir o Estado.
O orçamento encaminhado ao Congresso vem com corte linear da ordem de 18% das
universidades e institutos. Isso significa precarização para o ensino, que vai
faltar dinheiro para vigilância, para papel higiênico, para segurança. É tirar
o Estado de proteção social. Tem dinheiro. a questão é para onde está indo.”
Entre outros representantes do
Congresso, o deputado José Israel Batista (PV-DF), que coordena a Frente
Parlamentar em Defesa do Serviço Público, disse que o projeto torna o servidor
mais vulnerável e sujeito a pressões. E o próprio Estado ficará exposto a
interesses privados. “Não aceitaremos o fim da estabilidade. Essa reforma, do
jeito que está, não pode passar.”
“Quem ganha com isso?”
A desembargadora aposentada e
pesquisadora Magda Barros Biavaschi, do Fórum em Defesa dos Direitos dos
Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, enfatizou a “importância da coisa
pública para construirmos um país soberano”. Essa reforma se articula com
outras no sentido de “destruição da nossa dignidade cidadã”, emendou. Segundo
ela, a austeridade defendida pelo governo “já se mostrou catastrófica onde foi
implementada”.
Assim, o país caminha no sentido
contrário das décadas de construção de um Estado de proteção. E sem os
resultados anunciados, lembrou a desembargadora. “Com essas medidas, o que nós
teremos é um diminuto impacto na contas que eles dizem defender, mas sim uma
profunda depressão na demanda por consumo, que faz sucumbir, pasme, a própria
economia que eles dizem querer defender. O que será que significa essa ânsia de
destruir a coisa pública? Quem ganha com isso?”, questionou.